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Opinião da Semana - Ricardo Silva


 

Precariedade: Vidas Intermitentes

 

ricardosilvaVivemos numa sociedade marcada pela incerteza, pela instabilidade e pelo risco, sendo certo que tal acaba por se fazer notar no que diz respeito ao mundo laboral.

Ou seja, ao invés de estarmos perante um modelo estável de relação laboral – contrato de trabalho por tempo indeterminado – deparamo-nos hoje com uma modalidade atípica, cujo vínculo contratual apresenta um carácter temporário, sendo disso exemplo o contrato de trabalho a termo, tão generalizado que a sua aplicação está para lá da sua própria razão de ser. Ora, apesar de em determinadas situações ser-lhe reconhecida utilidade, em termos generalizados vemos os efeitos nefastos que tais contratos provocam aos trabalhadores, “afogando-os” num mar de incertezas, condicionando amplamente as suas vidas. É, por isso, inexorável constatar que estas “novas” relações laborais caminham lado a lado com a precariedade laboral.

Temos a sorte de viver um período em que o Governo e a maioria parlamentar que o apoia está consciente da urgência em combater esta realidade, quer através de uma maior rigidez no que concerne à legislação laboral (rigidez essa que se foi perdendo nas últimas décadas, em virtude de uma maior flexibilização do direito do trabalho), quer através de um conjunto de medidas que desincentivem as empresas a contratarem trabalhadores a prazo, como por exemplo a criação de um “selo de garantia” para as empresas sem relações laborais precárias ou mediante um reforço das competências da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho – com vista a uma maior fiscalização dos falsos recibos verdes.

Tais medidas são essenciais, porquanto têm no cerne das suas preocupações a defesa dos trabalhadores, aqueles que mais têm sofrido nos últimos anos.

É patente a ligação íntima do fenómeno da precariedade laboral aos jovens, visto que esta triste realidade é especialmente angustiante entre nós, sendo que a percentagem de jovens, com maior e menor qualificação, que têm estado submetidos a este tipo de relações de trabalho é assustadora.

Obviamente, isso acarreta para a nova geração uma série de consequências físicas, psicológicas e sociais que irão repercutir-se na vida privada de cada jovem trabalhador, condicionando os aspetos mais essenciais do seu desenvolvimento e emancipação.

A este respeito, importa chamar particular atenção para o artº 140/4-b do Código do Trabalho, – que o Governo do Partido Socialista se prepara para alterar – pelo facto de este permitir a contratação a termo (certo) de trabalhadores à procura do primeiro emprego, o que a meu ver constitui uma medida de discriminação negativa, acabando por canalizar de forma quase automática os jovens que se deparam pela primeira vez com o mercado de trabalho, reservando-se-lhes um vínculo laboral temporário, estando estes assim tendencialmente sujeitos a baixos salários, a uma situação insegura, bem como a condições de trabalho muitas vezes inadmissíveis, com consequências para o seu bem-estar, quer físico, quer mental.

É com esperança e ânimo que vemos anunciadas medidas legislativas nesta área que pretendem combater estes fatores que levam inevitavelmente a um atraso na emancipação dos jovens trabalhadores.

Note-se, portanto, que, não obstante as mutações sofridas pela sociedade nas últimas décadas, as relações de trabalho por tempo indeterminado devem continuar a ser consideradas como o “modelo-regra”.  Chegou, finalmente, o momento de acabar a banalização das relações de trabalho de carácter temporário!

Que esta seja uma janela para a nossa emancipação e para que a nossa geração possa olhar mais longe nos seus planos do que apenas – e, tantas vezes, se tal sorte existir – o par de anos seguinte.

11/11/2016
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